Validade de Contratos Digitais e a Proposta de Reforma do Código Civil
por CCHDCA validade de contratos digitais de acordo com o anteprojeto do código civil e a manifestação de vontade nos ambientes eletrônicos.
Como os contratos firmados em meio eletrônico são tratados juridicamente, a comprovação de autenticidade e as inovações trazidas pelo anteprojeto do código civil são os desafios impostos para regulamentar essa forma de negociar entre os envolvidos.
Qualquer acordo em ambiente digital pode caracterizar o suporte de manifestação de vontade?
Você sabia que mensagens trocadas pelo WhatsApp podem constituir um contrato juridicamente válido? No mundo digital, os negócios acontecem a qualquer hora e em qualquer lugar. E-mails, mensagens instantâneas e plataformas online são cada vez mais utilizados para fechar acordos. No entanto, como garantir a validade e a segurança desses contratos? A assinatura de um simples “ok” pode ter implicações jurídicas importantes – assim, este artigo aborda as principais questões relacionadas à validade de contratos digitais e as inovações trazidas pelo Anteprojeto do Código Civil (ACC).
O que são contratos digitais?
Contratos digitais são aqueles firmados em ambiente eletrônico, como e-mails, aplicativos de mensagens e plataformas online. Estes contratos são juridicamente válidos, desde que respeitem os requisitos legais e tradicionais dos contratos: capacidade das partes, objeto lícito, possível e determinado, e manifestação livre de vontade.
O anteprojeto de reforma do Código Civil, proposto pela comissão de juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil, presidida pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão, prevê que o contrato por meio digital é formalizado “(…) por manifestação expressa por cliques, seleção de opções em interfaces digitais, assinaturas eletrônicas, ou outros meios que demonstrem claramente a concordância com os termos propostos“. Esse entendimento é reforçado pela regra de informalidade e ausência de solenidade dos contratos digitais, conforme disposto no artigo 107 do Código Civil.
Os contratos digitais têm a vantagem de serem rápidos e acessíveis, mas exigem cuidados adicionais para garantir sua autenticidade e segurança.
Validade e desafios dos contratos digitais
A informalidade dos contratos digitais não compromete sua validade. Eles podem ser formalizados por cliques, seleção de opções em interfaces digitais, assinaturas eletrônicas ou qualquer outro meio que demonstre a concordância das partes – e até mesmo símbolos despretensiosos podem caracterizar manifestação de vontade. Um exemplo marcante foi a decisão de um tribunal canadense que considerou válido um contrato firmado por meio de um emoji de “joinha” enviado em um aplicativo de mensagens, condenando a parte ao pagamento do valor de 82 mil dólares canadenses.
No caso em questão, a parte alegou em sua defesa que o contrato não foi celebrado em decorrência de falta de assinatura, em contrapartida, o juiz entendeu que o emoji seria um meio não tradicional de “assinar” um documento, que diante das circunstâncias, essa foi uma forma válida de transmitir os dois propósitos de uma assinatura, quais sejam, a identificação do signatário e a transmissão de aceitação do contrato. Esse caso reforça que até gestos simples podem ter implicações legais significativas.
No entanto, a validade não garante a força executiva do contrato. Contratos firmados via WhatsApp, por exemplo, podem ser usados como prova em juízo, mas não possuem a força suficiente para execução direta – logo, dependeria de uma fase processual que levasse ao reconhecimento, pelo judiciário, da validade do pactuado.
Além do mais, é necessário garantia a autenticidade e integralidade das mensagens, uma vez que capturas de tela podem ser manipuladas, tornando essencial o uso de métodos que atestem a veracidade das mensagens, como a ata notarial, instrumento que atesta a existência e o conteúdo das mensagens no dispositivo ou apresentação do dispositivo para conferência das mensagens diretamente pelo oficial de justiça ou perícia técnica para verificar sua origem e autenticidade.
Inovações do Anteprojeto do Código Civil
O anteprojeto do Código Civil propõe a regulamentação dos contratos digitais, reconhecendo-os como equivalentes aos contratos tradicionais. Ele define contrato digital como qualquer acordo de vontades celebrado em ambiente eletrônico, abrangendo e-mails, aplicativos de mensagens e redes sociais.
Entre os princípios aplicáveis destacam-se: a imaterialidade, que reconhece a natureza eletrônica do contrato; equivalência funcional, garante que contratos digitais tenham a mesma validade que os contratos escritos; manifestação expressa de vontade: por cliques, seleções ou assinaturas eletrônicas.
O anteprojeto também aborda os contratos inteligentes (smart contracts), executados automaticamente por meio de códigos. Esses contratos funcionam com base em instruções como “se/quando, então”, armazenadas em blockchain. Para assegurar a segurança desses instrumentos, o ACC impõe ao fornecedor que utiliza contratos inteligentes ou, na sua ausência, à pessoa cujo comércio, negócio ou profissão envolva a sua implementação para terceiros, no contexto da execução de um acordo ou parte dele e ao disponibilizar dados, a obrigação de garantir que tais contratos cumpram os seguintes requisitos:
I – Robustez e controle de acesso, para prevenção de erros funcionais e manipulações;
II – Término seguro e interrupção, para garantir que exista um mecanismo para interromper ou encerrar a execução contínua de transações, especialmente para evitar execuções acidentais;
III – Auditabilidade, com arquivamento de dados e continuidade, para garantir o registro das operações realizadas ara análises futuras.
Tais medidas promovem maior segurança jurídica, confiança e funcionalidade aos contratos digitais.
Por fim, o ACC finaliza o tema dispondo que “o contrato celebrado por aplicativo digital é válido e eficaz, se atendidos os requisitos legais previstos neste Código”.
Contudo, o parágrafo único deste dispositivo baliza que “entende-se por aplicativo digital qualquer plataforma, software ou sistema eletrônico que permita a celebração, gestão e execução de contratos que tenham por objeto a intermediação do uso, gozo e fruição de coisa não fungível ou imaterial”.
Como garantir a segurança do seu negócio ao utilizar contratos digitais
Assim, conclui-se que para se assegurar a efetiva regularidade e validade dos instrumentos particulares firmados em meio digital, não basta a mera assinatura ou aceite, sendo altamente recomendável, senão necessário, a utilização de plataformas ou softwares que atestem a autenticidade das partes, que devem fornecer documentos pessoais e selfies diretamente nas plataformas/softwares.
Para garantir a validade e a segurança de seus contratos digitais, deve sempre se considerar a utilização de sistemas confiáveis, tais como plataformas seguras que autentiquem as partes e preservem o conteúdo e que utilizem a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).
Ademais, recomenda-se sempre que se recorra a uma consultoria jurídica para revisar clausulas e evitar riscos, além de realizar um treinamento interno de forma a capacitar sua equipe para lidar com ferramentas de assinatura e gestão digital.
Os contratos digitais representam uma evolução indispensável no mundo dos negócios. Com as inovações tecnológicas e a regulamentação proposta pelo ACC, as empresas podem operar com mais segurança e modernidade. No entanto, é crucial adotar práticas que assegurem a validade e a proteção desses instrumentos jurídicos.
Nossa equipe cível do CCHDC Advogados está à disposição para fornecer mais informações sobre o tema ou atender às eventuais necessidades.
Autores:
Ana Paula Felipe
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Artur Perrotti
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Mauricio Dellova de Campos
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