É possível a distribuição desproporcional de dividendos em sociedades anônimas?
por CCHDCA possibilidade distribuição desproporcional em sociedades anônimas sempre foi um tema controverso e objeto de embates entre o Fisco e o contribuinte. Com a introdução da Lei Complementar 182/2021, também denominada de Marco Legal das Startups, houve a alteração de dispositivos relacionados à distribuição de dividendos em determinados cenários, reacendendo o debate sobre a possibilidade de distribuição desigual de resultados entre acionistas.
Diferentemente das sociedades simples e limitadas, em que é pacífico o entendimento sobre a possibilidade de distribuição desproporcional de lucros, em razão da previsão legal dessa possibilidade pelo artigo 1.007 do Código Civil, nas sociedades anônimas esse assunto não era tão claro, em razão da ausência de um dispositivo legal expresso sobre referida distribuição.
A possibilidade de distribuição desproporcional de dividendos em sociedades anônimas sempre foi tema polêmico no âmbito do direito societário, tendo historicamente sido objeto de ações judiciais e administrativas entre o Fisco e o contribuinte. Há algum tempo, o entendimento doutrinário e jurisprudencial era uníssono quanto à inadmissibilidade de distribuição desproporcional de dividendos em sociedades anônimas, mas a inovação trazida pela Lei Complementar nº 182/2021 (“Marco Legal das Startups”) reacendeu o debate sobre o assunto.
Como era o regime legal anterior ao Marco Legal das Startups?
Previamente ao Marco Legal das Startups, a doutrina e jurisprudência entendiam que o direito de distribuição desproporcional de dividendos era incompatível com a natureza das sociedades anônimas. Por se tratar de uma sociedade de capital, não de pessoas (tal qual as sociedades limitadas), seria inadmissível o tratamento desigual entre ações de uma mesma espécie e, portanto, a distribuição de dividendos sem guardar proporção ao capital efetivamente detido pelos acionistas seria uma afronta aos direitos essenciais de acionista previstos no artigo 109 da Lei nº 6.404/76 (“Lei das S.A.”).
Ainda, por se tratar um direito essencial de acionista, não seria possível nem mesmo a estipulação no Estatuto Social das companhias sobre a possibilidade de distribuição desproporcional de dividendos, ainda que todos os acionistas concordassem com isso. A proporcionalidade na distribuição de dividendos era interpretada, por esses motivos, como um direito inderrogável dos acionistas.
Adicionalmente, do posto de vista tributário, a Receita Federal possuía claro entendimento de que os lucros distribuídos desproporcionalmente nas sociedades anônimas seriam considerados como renda passível de tributação.
Como o assunto foi tratado posteriormente ao Marco Legal das Startups?
Mediante a modificação do artigo 294 da Lei das S.A. e inclusão do seu §4º, o Marco Legal das Startups introduziu a faculdade de as sociedades anônimas de capital fechado com receita bruta anual de até R$78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais), estabelecerem livremente, em sede de Assembleia Geral Ordinária, a forma de distribuição dos dividendos da companhia.
Dessa forma, observados os requisitos de faturamento e observância aos direitos de acionistas preferenciais no recebimento das preferências inerentes às suas ações, foi incluída a possibilidade de os acionistas de sociedades anônimas de capital fechado deliberarem sobre a distribuição de dividendos de forma desproporcional.
Quais os impactos da permissão à distribuição desproporcional de dividendos em sociedades anônimas?
Para fins de planejamento societário e tributário, a possibilidade da previsão de distribuição desproporcional de dividendos em sociedades anônimas é uma inovação de grande relevância.
Um dos principais fatores na determinação da escolha dos tipos societários é a possibilidade de distribuição desigual de lucros, posto que, por muitas vezes, os acionistas possuem um entendimento entre si pela partilha de lucros dessa forma, especialmente em sociedades anônimas fechadas, onde, muitas vezes, a participação acionária das partes é definida com base em diferentes condições comerciais que não apenas ativos que podem ser aportáveis na companhia, como ativos intangíveis, know-how, dentre outros.
Nesse sentido, principalmente em estruturas voltadas ao planejamento patrimonial familiar e sucessório, a possibilidade de distribuição desproporcional de dividendos em sociedades anônimas confere maior flexibilidade às famílias quando buscarem estruturar sua sucessão e a governança do patrimônio familiar em sociedades cujos atributos e instrumentos jurídicos típicos das sociedades anônimas sejam mais indicados, não sendo forçados a adotar as sociedades limitadas apenas para manutenção da possibilidade de distribuição desproporcional de lucros.
Da perspectiva de investidores de mercado, a previsão da distribuição desproporcional de dividendos também pode ser interessante, principalmente para investidores-anjo e startups. Comumente, as startups utilizam-se de rodadas de investimentos diversas em determinados estágios de maturação e evolução da sociedade, com diferentes valuations para a companhia, de modo que a estrutura de sociedades anônimas seria a mais indicada em razão da possibilidade de previsão de preços de emissão diferentes para as ações. Nesse aspecto, as startups poderiam já admitir acionistas com possibilidades diversas de distribuição, sem necessidade de aguardarem determinados eventos para conversão da participação societária, conferindo maior flexibilidade na estruturação de sus investimentos.
Adicionalmente, essa inclusão legislativa também é positiva no sentido de flexibilização da implementação de estruturas de investimento que contemplem a existência de planos de stock option e vesting a pessoas-chave, as quais poderão se valer de distribuição desproporcional de dividendos para recebimento da justa remuneração pela participação a ser recebida, sem necessidade de ater-se à proporção exata de sua participação societária.
Conclusão
A inovação legislativa trazida pelo Marco Legal das Startups em relação à possibilidade de distribuição desproporcional de dividendos em sociedades anônimas é muito bem-vinda no contexto do direito societário brasileiro. Sua adoção é um passo positivo na flexibilização da relação entre acionistas das companhias de capital fechado, dando maior gama de opções à estruturação societária e tributária de empresas dos mais variados ramos de atuação, para atender seus interesses específicos.
Nosso escritório está à disposição para responder eventuais questionamentos acerca do tema.
Autor:
Guilherme Lomonico
[email protected]