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6 de outubro de 2021

Receita ratifica entendimento pela não tributação do rateio de despesas

por CCHDC

O rateio de custos e despesas, levado a efeito por conglomerados empresariais, caracteriza-se pela concentração, em uma única empresa (denominada centralizadora), do controle dos gastos comuns entre as demais empresas beneficiárias de mão de obra contratada ou bens/serviços adquiridos e posterior divisão conforme critérios de uso individualmente apurados em relação a cada um dos entes envolvidos. Há a contratação por apenas uma empresa (centralizadora) em benefício de todas as demais (beneficiárias).

É utilizado, principalmente, para maior sinergia entre as empresas, economia de custos de aquisição e operacionais, bem como redução de obrigações acessórias e emissão de documentos fiscais. Diante disso, é justificável que conglomerados empresariais adotem medidas a fim de obter sinergia em seus processos com ganhos de escala nas atividades comuns [1].

Foi exatamente esse o tema analisado na Solução de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) da Receita Federal nº 149, datada de 21 de setembro último.

A consulente é pessoa jurídica de direito privado, com ramo de atividade relativo à construção, tributada com base no lucro presumido. Informa que possui participação em diversas empresas constituídas como Sociedades de Propósito Específico (SPE), também submetidas à apuração do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) com base no lucro presumido e optantes pelo Regime Especial de Tributação, Incorporações Imobiliárias e Programa Minha Casa Minha Vida (RET). Por consequência, atuará como holding, adotando, a partir de abril de 2019, a centralização e o compartilhamento de determinadas atividades operacionais (finanças e contabilidade, recursos humanos, administração, suprimentos, sistema de informação e setor técnico).

Afirma, ainda, que ficará responsável pelo desembolso financeiro relativo às despesas operacionais de todas as empresas do grupo, recebendo, posteriormente, o reembolso por parte das demais empresas, de acordo com critérios de rateio previamente estabelecidos, previstos nos contratos de compartilhamento de custos e despesas firmados entre as partes.

Citando o artigo 311 do Regulamento do Imposto sobre a Renda (RIR/2018), que trata de despesas operacionais, entende a consulente que, nessa situação, o recebimento do reembolso de despesas não deve configurar percepção de lucro ou receita e apresenta os seguintes questionamentos: 1) se as despesas reembolsadas pelas empresas descentralizadas beneficiárias devem compor a receita bruta por ela auferida, considerada para fins de apuração do IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), consoante previsto no artigo 12 do Decreto-lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977; e 2) se as despesas reembolsadas pelas empresas descentralizadas beneficiárias devem compor o seu faturamento, para fins de apuração do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), consoante estabelecido pelos artigos 2º e 3º da Lei nº 9.718/98.

Assim, o cerne das questões apresentadas pela consulente trata da caracterização ou não do reembolso relativo ao rateio de despesas de um grupo de empresas como receita bruta, para fins de incidência do IRPJ e da CSLL apurados com base no lucro presumido e como faturamento, base de cálculo do PIS e da Cofins cumulativas.

Afirmou a Cosit, referindo-se à Solução de Divergência (SD) Cosit nº 23, de 23 de setembro de 2013, que possui efeito vinculante no âmbito da RFB, que os valores auferidos pela pessoa jurídica centralizadora como ressarcimento pelos demais integrantes do grupo econômico dos dispêndios que ela suportou com as atividades compartilhadas, desde que cumpridos os requisitos estabelecidos no item 17 da referida solução de divergência, não constituem receita, já que não haveria ganho, assim considerado aquele com finalidade de acréscimo patrimonial, que é o elemento essencial caracterizador de receita.

A conclusão da Solução de Consulta da Cosit nº 149/2021 é que são considerados reembolsos, os valores recebidos por pessoa jurídica centralizadora relativos a contratos de rateio de custos e despesas das demais pessoas jurídicas ligadas, desde que:

a) As despesas reembolsadas comprovadamente correspondam a bens e serviços recebidos e efetivamente pagos;
b) As despesas objeto de reembolso sejam necessárias, usuais e normais nas atividades das empresas;
c) O rateio se realize através de critérios razoáveis e objetivos, previamente ajustados, devidamente formalizados por instrumento firmado entre os intervenientes;
d) O critério de rateio esteja de acordo com o efetivo gasto de cada empresa e com o preço global pago pelos bens e serviços, em observância aos princípios técnicos ditados pela contabilidade;
e) A empresa centralizadora da operação de aquisição de bens e serviços aproprie como despesa tão-somente a parcela que lhe cabe de acordo com o critério de rateio, assim como deverão proceder de forma idêntica as empresas descentralizadas beneficiárias dos bens e serviços, e contabilizar as parcelas a serem ressarcidas como direitos de créditos a recuperar, orientando a operação conforme os princípios técnicos ditados pela contabilidade;
f) A empresa centralizadora da operação de aquisição de bens e serviços, assim como as empresas descentralizadas, mantenham escrituração destacada de todos os atos diretamente relacionados com o rateio das despesas administrativas;
g) Não haja qualquer margem de lucro no reembolso;
h) Não configure pagamento por serviços prestados pela empresa centralizadora“.

Por consequência, anuiu a Cosit que os reembolsos auferidos pela pessoa jurídica centralizadora decorrente do rateio de custos e despesas, desde que cumpridas as condições acima, não são considerados receitas para fins do IRPJ e da CSLL apurados com base no lucro presumido e nem para fins da base de cálculo do PIS e da Cofins com incidência cumulativa [2].

Tal estágio de evolução da jurisprudência da RFB [3], no entanto, não é sinônimo de pacificação total sobre o tema, permanecendo ainda velhos problemas com nova roupagem. Isso porque a fiscalização, muitas vezes, não identifica documentos e elementos suficientes que justifiquem e autorizem o rateio e, por consequência, a não tributação dos valores recebidos pela empresa centralizadora (ou mesmo a dedução das despesas incorridas pelas beneficiárias).

Em outras palavras, os contribuintes enfrentam dificuldades para comprovar a regularidade das despesas objeto de rateio. No curso do procedimento de fiscalização, quando instados a comprovar, com documentação hábil e idônea, os requisitos e parâmetros definidos para o rateio das despesas contabilizadas, os contribuintes têm encontrado dificuldades para apresentar elementos e documentos suficientes para justificar o rateio realizado entre as empresas interessadas.

A Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Carf, por intermédio dos Acórdãos nº 9101-003.003 e nº 9101-001.878 [4] [5], firmou o entendimento de que seriam imprestáveis os laudos extemporâneos apresentados para justificar e demonstrar o rateio das despesas entre as entidades, visto que elaborados depois da lavratura dos autos de infração em apreço. A CSRF concordou com o Fisco no sentido de que os documentos apresentados pelo contribuinte não seriam hábeis para demonstrar o método de rateio adotado, e, consequentemente, acabou por validar o método de rateio indireto aplicado pela autoridade fiscal no lançamento.

Além disso, é importante observar os requisitos fixados nos contratos apresentados para justificar o rateio das despesas incorridas. Isso porque, muitas vezes, o ponto fulcral desses litígios repousa no exame da razoabilidade dos critérios de rateio adotados, com justificativas operacionais e econômicas plausíveis e, principalmente, quais foram as provas apresentadas pelo contribuinte. Esses requisitos encontram-se expressamente previstos nas citadas Solução de Consulta da Cosit nº 149/2021 e Solução de Divergência Cosit nº 23/2013.

Nesse sentido, cite-se o entendimento do Acórdão nº 1302-003.219 [6], o qual, quando da análise do contrato de rateio apresentado pelo contribuinte, entendeu que a pactuação não seria suficiente para comprovar a efetividade do compartilhamento de despesas entre as entidades envolvidas, em especial porque não se poderia aceitar como prova do rateio que este fosse realizado levando-se em conta “a proporção da receita de cada uma das empresas”.

Em outro precedente, Acórdão nº 1401-002.293 [7], também houve a demonstração de que o contrato de rateio apresentado pelo contribuinte não poderia embasar a dedução das despesas incorridas, tendo em vista que não se poderia estabelecer “controles mínimos que garantam a possibilidade de se aferir o total efetivamente dispendido pelas empresas contratantes do compartilhamento e o seu critério de rateio a cada uma das empresas envolvidas no contrato”. Nesse caso, o contrato apresentado trazia como critério de rateio “a repartição dos custos em razão do faturamento de cada empresa do grupo” e não foi acatado pelo colegiado.

A jurisprudência do Carf tem entendido que não basta a simples alegação de que as despesas foram rateadas, cabendo ao contribuinte demonstrar — com documentação hábil e idônea — a pactuação prévia do rateio e com critérios objetivos. Nesse sentido, é exemplar a ementa do já citado Acórdão nº 1302-003.219:

“Para que seja admitido o aproveitamento de despesas rateadas entre empresas coligadas ou pertencentes ao mesmo grupo econômico, devem ser cumpridos e comprovados pela entidade 1) que as despesas correspondam a custos e despesas necessárias, normais e usuais, devidamente comprovadas e pagas ou incorridas; 2) que os critérios de rateio sejam razoáveis e objetivos, devendo estar alinhados com o preço real do serviço prestado; 3) que o rateio seja previamente formalizado entre as partes, através de instrumento contratual, em que reste previsto expressamente os critérios, formas de remuneração e justificativas para que as despesas sejam rateadas; 4) que a empresa centralizadora da operação aproprie como despesa tão somente a parcela que lhe cabe; 5) que a empresa descentralizada, beneficiária dos bens e serviços, aproprie como despesa tão somente a parcela que lhe cabe, de acordo com o critério de rateio; e 6) que a contabilidade das entidades envolvidas reflita de forma fidedigna as operações”.

Com efeito, na medida do possível, deve-se priorizar a adoção dos chamados métodos diretos, compreendidos como aqueles que permitem que cada entidade aproprie tão somente as despesas proporcionais às utilidades por ela efetivamente consumidas (por exemplo, os rateios realizados com base nos custos homem-hora controlados em timesheets ou o tempo de utilização de equipamentos).

Entretanto, é preciso que o critério adotado guarde um mínimo de proporcionalidade entre o volume da despesa e o benefício auferido pela entidade à qual ela é atribuída. Nesse contexto, a evolução tecnológica é um fator da mais alta relevância e deve ser utilizado como forma de controle e aferição dos custos, visto que surgiram novas ferramentas que tornam viáveis métodos que antes seriam descartados.

É importante ressaltar que a autoridade fiscal provavelmente não contestará o critério de rateio em si, mas, sim, a falta de demonstração de que, ao adotar tal critério, a empresa tenha incorrido nas despesas efetivamente registradas nos seus livros contábeis e fiscais. Eventuais laudos trazidos no trâmite do processo administrativo podem não ser suficientes para elucidar essa questão. Esse tipo de comprovação, o qual pode ser produzido por um terceiro, deve ser sempre acompanhado de elementos (demonstrativos, planilhas etc.) que comprovem a regularidade das despesas rateadas.

Diante do exposto, é importante que os gestores se mantenham atentos quanto à pertinência dos critérios adotados nos contratos de rateio, com base em um contexto que exige reavaliações periódicas dos métodos e critérios de rateio aplicados.

[1] “As razões econômicas para a constituição de grupos decorrem principalmente das economias de escala, da otimização do processo produtivo, das sinergias, do aumento da eficiência operacional, da necessidade de grande capacidade de investimento em tecnologia e do desejo de dominação de novos mercados, cada vez mais em escala global. Verifica-se, crescentemente, um processo de especialização nas empresas integrantes do grupo, concentrando-se, numa delas, por exemplo, todas as relações com os fornecedores da matéria-prima, com o que se logra obter preços mais reduzidos, ou o processo de vendas, para maximizar o retorno” (Nelson Eizirik, in “Lei das S/A Comentada”, 2011, Quartier Latin, Volume III,p. 327).

[2] Dessas considerações decorre ser o rateio instrumento legítimo, avalizado por robusta jurisprudência judicial e administrativa sobre a questão, conforme se percebe dos seguintes precedentes: (i) TRF3 – AMS – 00136746320084036105, 3ª T., Rel. Des. Roberto Jeuken, DJ: 04/04/2013, (ii) CSRF – Acórdão 9101-001.878, Rel. Valdmir Sandri, Primeira Turma, J: 18/03/2014, (iii) Acórdão 2803-003.309, Rel. Cons. Amilcar Barca Teixeira Jr., J: 13/05/2014 (no mesmo sentido, os acórdãos 2803-003.308 e 2803-003.307), (iv) Acórdão 101-96600, Rel. Cons. Valmir Sandri, J: 06/03/2008 e (v) Acórdão 3402-001.912, Rel. Cons. Fernando Luiz da Gama Lobo D’Eça, J: 27/09/2012.

[3] Além da Solução de Consulta nº 149/2021, ora em análise, podemos citar: (i) a Solução de Consulta 08/2012, que estabeleceu os requisitos a serem observados para a classificação de um contrato como de cost sharing e (ii) a já citada Solução de Divergência 23/2013, que analisou esses requisitos e reconheceu a natureza de reembolso/recomposição patrimonial dos recursos transferidos, afastando os tributos incidentes, incluindo PIS e Cofins, no âmbito doméstico.

[4] Conselheira Relatora Adriana Gomes Rêgo, julgado na sessão de 08/08/2017.

[5] Redator ad hoc Conselheiro Marcos Vinícius Barros Ottoni, Redator Designado ad hoc Conselheiro Leonardo de Andrade Couto, julgado na sessão de 18/03/2014.

[6] Conselheiro Relator Flávio Machado Vilhena Dias, julgado na sessão de 20/11/2018.

[7] Conselheiro Relator Abel Nunes de Oliveira Neto, julgado em 13/03/2018.

 

Fonte: ConJur

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