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2 de setembro de 2021

Alterações no Direito Societário Brasileiro Decorrentes da Lei 14.195 e Conversão da Medida Provisória 1.040/2

por CCHDC

 

Em 27 de agosto de 2021, foi publicada a Lei nº 14.195/2021, por meio da qual foi convertida em lei a Medida Provisória n° 1.040/21 aprovada pelo Congresso Nacional (“MP 1.040”), a qual almejava desburocratizar, facilitar e modernizar o ambiente de negócios no Brasil e atrair novos investimentos em razão do novo ambiente institucional (“Lei 14.195”).  

 

A redação da Lei 14.195 abarcou alguns temas já previstos na MP 1.040 com algumas alterações, bem como previu certas inovações à Lei n° 6.404/76 (“Lei das S.A.”), principalmente voltadas à proteção de direitos de acionistas minoritários e desburocratização de procedimentos. Abaixo, destacamos as principais alterações: 

 

Possibilidade de Eleição de Administradores Não Residentes 

 

Uma das inovações trazidas pela Lei 14.195 foi com relação à alteração do artigo 146 da Lei das S.A., de modo a expressamente permitir a eleição administradores não residentes no País a todos os cargos de administração, incluindo a Diretoria das companhias, ficando a posse de administrador residente ou domiciliado no exterior condicionada à constituição de representante residente no País, pelo prazo de no mínimo 3 (três) anos após o término do prazo de gestão do administrador. Mediante esta alteração, estendeu-se às companhias a possibilidade de os diretores serem residentes ou domiciliados no exterior, anteriormente apenas permitido aos membros do conselho de administração, com a exclusão da previsão de que os diretores deveriam ser residentes no país, observada a obrigação de constituição de procuradores. 

 

Transformação de EIRELIs 

 

A Lei 14.195 prevê também, em seu artigo 41, que as empresas individuais de responsabilidade limitada serão automaticamente transformadas em sociedades limitadas unipessoais de forma automática, independentemente de qualquer alteração em seu ato constitutivo, conforme será definido especificamente por ato do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (“DREI”). 

 

Voto Plural e Classes de Ações Ordinárias 

 

A grande novidade trazida pela Lei 14.195 trata-se das alterações das regras aplicáveis às ações ordinárias das companhias, de modo que agora poderão prever o voto plural a tais ações, bem como poderão ser de uma ou mais classes, tanto nos casos de companhias abertas quanto fechadas. Esse dispositivo não poderá ser adotado por sociedades de economia mista, empresas públicas, bem como às suas subsidiárias e às sociedades controladas direta ou indiretamente pelo poder público. 

 

Referida alteração da legislação para autorizar a adoção do voto plural veio em resposta ao crescente número de ofertas públicas iniciais de ações (IPOs) de empresas brasileiras que estavam ocorrendo no exterior, em razão da impossibilidade de adoção do voto plural pela legislação brasileira. Nesse sentido, a possibilidade de adoção do voto plural pela legislação brasileira foi prevista com o intuito de estimular que referidas operações ocorram no âmbito do mercado de capitais brasileiro. 

 

Especificamente no caso do voto plural, a Lei 14.195 alterou a Lei das S.A. de modo a autorizar a atribuição de voto plural, no limite de 10 (dez) votos por cada ação ordinária atribuída. Para as companhias abertas, a legislação passou a prever que a criação das ações com voto plural deverá ser realizada previamente à abertura de seu capital, sendo vedada a manutenção de mais de uma classe de ações ordinárias, ressalvada a adoção do voto plural. 

 

Nos termos da Lei 14.195, o prazo de vigência inicial das ações ordinárias com voto plural será de até 7 (sete) anos, prorrogável por qualquer prazo, observadas as regras quanto ao quórum de deliberação para a aprovação da prorrogação, podendo o estatuto social prever o fim da vigência do voto plural conforme a ocorrência de determinado evento ou a um prazo específico. Para a votação da prorrogação do prazo de vigência do voto plural, deverão necessariamente ser excluídos das votações os titulares de ações ordinárias com voto plural a ser prorrogado, sendo assegurados os direitos previstos aos acionistas dissidentes. 

 

Para a criação de classe de ações ordinárias com voto plural, salvo se estabelecido quórum diverso no estatuto social da companhia, a aprovação deverá se dar por voto favorável dos acionistas detentores mais da: (i) metade, no mínimo, das ações com direito a voto; e (ii) metade, no mínimo, das ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito, se emitidas, reunidas em assembleia especialmente convocada. É assegurado aos acionistas dissidentes de referida deliberação o direito de retirada, a ser operacionalizado mediante reembolso do valor de suas ações, salvo previsão em contrário no estatuto social da companhia em questão. 

 

Por fim, a lei estabelece que não será adotado o voto plural nas deliberações relacionadas à remuneração dos administradores ou a celebração de transações com partes relacionadas que atendam aos critérios de relevância a serem definidos pela Comissão de Valores Mobiliários. 

 

Alterações nos Prazo de Convocação de Assembleias Gerais de Companhias Abertas e Possibilidade de Adiamento de Assembleias pela CVM 

 

Originalmente ampliado para 30 (trinta) dias o prazo mínimo de antecedência para convocação das Assembleias Gerais das companhias abertas, nos termos da MP 1.040, a Lei 14.195 alterou referido o prazo de convocação para 21 (vinte e um) dias de antecedência de sua realização, quando referente à primeira convocação, e para 8 dias de antecedência, em segunda convocação. No entanto, a Lei 14.195 confere poderes para que a Comissão de Valores Mobiliários determine o adiamento da realização da Assembleia Geral quando esta entender que as informações disponibilizadas para a deliberação das matérias contidas na ordem da assembleia sejam incompletas ou insuficientes para análise dos acionistas e formação de seu voto. 

 

Necessidade de Aprovação de Operações Relevantes entre Partes Relacionadas pela Assembleia Geral, nos casos de Companhias Abertas 

 

Exclusivamente no caso de companhias abertas, confirmando o já previsto na MP 1.040, também foi adicionado como competência da Assembleia Geral a aprovação de operações relevantes (as quais serão definidas conforme critério a ser futuramente estabelecido pela CVM) entre a companhia e suas partes relacionadas, o que representa uma ruptura nas atuais práticas brasileiras, nas quais as operações em questão normalmente eram submetidas à aprovação em sede de Reunião do Conselho de Administração.  

 

Proibição do Acúmulo de Cargos de Presidente de Conselho de Administração e Diretor-Presidente e Obrigatoriedade de Conselheiros Independentes, nos casos de Companhias Abertas 

 

Confirmando o já disposto na MP 1.040, a Lei 14.195 passou a proibir que um mesmo indivíduo acumule os cargos de presidente de Conselho de Administração e Diretor Presidente (ou principal executivo da companhia), salvo exceção prevista para companhias de menor faturamento, nos termos regulamentados pela CVM.  Esta é a única alteração da Lei 14.195 que terá vigência após 360 (trezentos e sessenta dias) contados da data de sua publicação, lembrando que referido diploma legal não estipula qualquer tratamento diferenciado para companhias abertas de categoria “A” ou “B”, registradas na CVM conforme admissão de negociação de suas ações em bolsa ou somente outros valores mobiliários. A nosso ver, em que pese se tratar de dispositivo já previsto nos regulamentos dos segmentos de listagem especial da B3, o contexto empresarial brasileiro não está em consonância com esta norma, de modo que tal disposição poderá acarretar a contratação de novos profissionais ou eleição de Diretores Presidentes esvaziados de reais poderes, apenas para conformidade com a norma, especialmente no caso de companhias abertas de categoria “B”. 

 

Adicionalmente, o novo parágrafo 2° foi introduzido no artigo 140 da Lei das S.A., expressamente exigindo que todas as companhias abertas passem a incluir membros independentes nos seus respectivos conselhos de administração, conforme termos a serem oportunamente regulamentados pela CVM. Da mesma forma que com a exigência de vedação de acúmulo de cargos supramencionado, a contratação de conselheiros independentes não é novidade na prática societária brasileira, mas atualmente exigida apenas nos segmentos de listagem do Nível 2 e Novo Mercado da B3. Cabe aqui o mesmo comentário acima, pois a exigência de conselheiros independentes para companhias abertas de categoria “B” e outros segmentos de listagem configura-se como burocracia desnecessária e inócua, que apenas acarreta o ônus de tais companhias contratarem profissionais apenas para cumprimento formal da norma. 

 

Por fim, a Lei 14.195 também dispôs sobre uma variedade de outras assuntos relacionados à simplificação dos processos de registro com as Juntas Comerciais, a regulamentação da profissão de tradutor e intérprete juramentado, dentre outros. Os dispositivos da Lei nº 14.195 entram em vigor em 27 de agosto de 2021, com exceção do parágrafo 3º do artigo 138 da Lei das S.A. destacado acima, que somente produzirá efeitos no prazo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar da publicação de referida Lei. 

 

Estamos à disposição para auxiliá-los na adaptação dos atos societários das companhias conforme novos dispositivos legais acima referidos, bem como para responder eventuais questionamentos acerca do tema. 

 

Guilherme Anderson Lomonico 

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